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  • Foto do escritorRodrigo Goncalves

Amor é vinho

Atualizado: 13 de jan. de 2020

Em algum lugar no passado distante, eu estava deitado no colo de minha namorada (hoje minha esposa) assistindo ao programa de calouros do Raul Gil na TV. Por alguns instantes eu me senti pleno, completo. O calor e o carinho dela, a mente tranquila, a simplicidade acolhedora do lar, o ruído branco que emanava da TV, tudo aquilo vibrava em paz e alegria pelo meu corpo. Veio então um pensamento que verbalizei espontaneamente:


- Jesus é uma pessoa que consegue sentir por todas as pessoas da Terra este amor que eu sinto por você. Não é impressionante?


Ela respondeu com um sorriso e ficamos ali, quietinhos, abraçados, nos preparando para os desafios da vida que recomeçariam no dia seguinte.


Esta reflexão sobre Jesus me afligia de tempos em tempos. O amor que eu sinto pela minha esposa é sustentado pela admiração de suas virtudes. Amo sua alegria, espontaneidade, sua serenidade, maturidade, integridade, etc. Ela continuamente perdoa minhas falhas e me ajuda a ser uma pessoa melhor. Não consigo sentir este amor por outra pessoa. Eu pensava: Como assim "amai vossos inimigos"? Oxímoro impossível!


"A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo. Deve existir entre os verdadeiros discípulos de sua doutrina uma fraternidade completa. Deveis amar os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como a vós mesmos, pelas faltas que cometeis contra a sua lei" [1]

De alguma forma pacifiquei esta questão em mim, mas não de uma forma racional. Eu sabia que estava certo, mas não sabia explicar o porquê, muito menos justificar de forma racional. Deixei a fé sustentando esta questão até eu ter conhecimento e maturidade para retomá-la algum dia.


Ontem eu fui com minha família visitar um amigo e sócio em seu restaurante. Quando chegamos lá estava tendo uma degustação de vinhos. Como não tenho o paladar treinado, consegui perceber somente alguns dos aromas e sabores das bebidas que experimentei. Fui consolado por minha tia: "você é igual ao seu pai e à mim. Pra gente vinho se resume a vinho gostoso e vinho não gostoso".


Almoçamos e passamos a tarde juntos - foi um dia repleto de felicidade e alegria.


Já em casa, dormi no colo de minha esposa na sala de TV, completando a plenitude gozosa do dia, mas ao deitar-me na cama - momento em que invariavelmente faço minhas reflexões - um lampejo resolveu a aparente contradição do ensino de Jesus: o amor é vinho! Bingo!


A raiz do dilema está na pobreza de nossa linguagem e na dureza de nossos corações. O amor é um sentimento complexo. Não existe um único amor. Existem vários tipos e nuances de amor que expressamos em nossa língua com uma única palavra. Jesus explicar o que era amor em aramaico (língua da época) era igual explicar o complexo aroma e sabor do vinho para um homem das cavernas. Por isto ele recorria tanto às figuras de linguagens e parábolas.


Além do vinho, ontem eu degustei várias formas de amar. Meu dia teve notas de "alegria de rever meu tio e minha tia que eu não via a algum tempo". Acompanhado de "alegria de tomar café da manhã em família, compartilhando de forma alegre e espontânea pequenas anedotas cotidianas". Com presença de "carinho e amizade do meu amigo e sua esposa".


Senti amor por minha esposa que estava linda, alegre e espontânea. Senti amor pela minha mãe que sempre quis ir a uma degustação de vinhos mas nunca teve a oportunidade. Também teve aquele amor que se manifesta no cheirinho do café com conversa filosófica. E aquele outro amor de ver sua filha feliz com a filha de seu amigo. Teve ainda aquele amor infantil que emanava das minhas sobrinhas que brincaram de bonecas, correram, pularam e falaram coisinhas de criança o dia inteiro.


Entendi como amar o criminoso. O criminoso é um espelho. Ele existe para que possamos, através de seu erro, refletir sobre as nossas próprias faltas. O amor que devemos sentir por ele é aquele de um irmão mais velho que perdoa o irmão mais novo. Caramba! Demorou uns 30 anos para eu entender a mensagem de Elisabeth de França do Evangelho Segundo o Espiritismo!


Se Jesus fosse alemão, o ensinamento seria: "carinhocomoparaumirmaomaisnovoquenaosabeoquefaz seus inimigos".

[1] - Caridade para com os criminosos - Elisabeth de França, Havre, 1862, - Evangelho Segundo o Espiritismo - Allan Kardec


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